Por Cristina Darriba e Arnau A., da Luta Internacionalista (LI), secção da UIT-QI no Estado Espanhol
No dia 16 de abril, o Supremo Tribunal do Reino Unido decidiu que o termo ‘mulher’, tal como consta da ‘Lei da Igualdade’ (uma lei de 2010 que visa proteger, legalmente, as pessoas contra a discriminação nos locais de trabalho, e na sociedade em geral, com base em nove caraterísticas: idade, deficiência, raça, religião ou crença, sexo, gravidez e maternidade, orientação sexual, casamento e parceria civil, e mudança de sexo), se refere – exclusivamente – ao sexo biológico. A decisão foi promovida pela organização reacionária ‘For Women Scotland’ (Pelas Mulheres Escócia), cujos porta-vozes descrevem as mulheres trans como “homens autorizados a ser mulheres”. Esta decisão do poder judicial britânico representa um novo ataque aos direitos das pessoas trans, especialmente das mulheres, negando a sua existência, e empurrando-as ainda mais para a marginalização.
Sob o pretexto de “defender as mulheres”, tanto as instituições reacionárias, como as Feministas Radicais Trans-Excludentes (TERF’s), utilizam argumentos baseados em falácias e transfobia. Afirmam que as mulheres trans procuram invadir espaços ‘femininos’ ou beneficiar de quotas de trabalho. Nada poderia estar mais longe da verdade: estudos mostram que as pessoas transgénero são precisamente as que enfrentam maiores barreiras no acesso ao mercado de trabalho, ocupam os empregos mais precários, e sofrem elevados níveis de exclusão social. A maioria é mesmo obrigada a esconder a sua identidade por receio de assédio e discriminação.
O discurso do “apagamento das mulheres”, presente a nível internacional, visa diretamente todos os dissidentes sexuais e de género, bem como todas as mulheres que não se enquadram nos seus ideais de feminilidade. Apesar de se autodenominarem ‘feministas’ e ‘de esquerda’, estas organizações acabam por defender a mesma heteronorma que a extrema-direita enaltece. Assim, o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) acabou por ceder ao sector que se opunha à ‘Lei Trans’ (‘Ley Trans’ – uma lei de 2023 que permite a auto-identificação do género no Estado espanhol, permitindo que as pessoas mudem o seu sexo legal) e retirou o Q da sigla LGBTQIA+. Da mesma forma, o Partido Feminista de Espanha (PFE), liderado por Lidia Falcón, centra a sua atividade única e exclusivamente em campanhas que criminalizam as mulheres trans.
Esta agenda reacionária é impulsionada pela extrema-direita, mas apoiada pelas instituições e pelos meios de comunicação social. Figuras como Milei ou Trump patologizam a dissidência, expulsam pessoas trans de cargos públicos, e apelam abertamente à luta contra a ‘ideologia de género’ ou a ‘Agenda Woke’. Na Europa, governos como o da Hungria proíbem totalmente as manifestações do Orgulho, perante o silêncio e a inação de partidos supostamente progressistas.
Mesmo em espaços considerados representativos para as pessoas LGBTQIA+, como a Eurovisão (um concurso televisivo amplamente seguido por pessoas LGBTQIA+), são aplicadas medidas de censura que cedem ao discurso de ódio. Há algumas semanas, os artistas foram proibidos de mostrar bandeiras queer para “evitar mensagens políticas”, ao mesmo tempo que o Estado de Israel é autorizado a participar no meio do seu genocídio acelerado em Gaza.
O alinhamento dos meios de comunicação social e dos poderes político e judicial com discursos reacionários tem consequências diretas e fatais. As redes sociais tornam-se terreno fértil para campanhas LGBTIfóbicas, que incentivam a violência, e esta violência não se fica pelo simbólico: é retransmitida, normalizada, e celebrada, fazendo com que os agressores se sintam impunes. Não podemos esquecer o assassinato de Samuel, na Corunha em 2021, nem o recente transfeminicídio de Sara Millerey, na Colômbia, torturada e assassinada enquanto tudo era gravado em vídeo e transmitido nas redes. Estes actos de violência não são acontecimentos isolados: são o resultado direto do ódio que é promovido pelas instituições, e amplificado pelos meios de comunicação social.
Temos de nos mobilizar contra esta onda reacionária, tal como aconteceu no Reino Unido, contra a decisão de um sistema judicial retrógrado, ou nas ruas de todo o mundo, em memória de Sara e em repúdio de todos os feminicídios.
Nenhuma mulher camarada é deixada para trás: perante o ataque constante às nossas condições materiais e à nossa existência, é tempo de nos organizarmos. Contra o cisheteropatriarcado e o capitalismo, construamos o partido revolucionário que nos permitirá conquistar a libertação afectiva, sexual e de género.