Mas mesmo descontando exageros e manipulações, há um dado que não pode ser apagado: a Greve Geral teve um impacto real e significativo. A paralisação afetou setores estratégicos da economia, provocou prejuízos elevados e tornou visível, ainda que de forma desigual, a força social da classe trabalhadora. Isto é tanto mais relevante quanto ocorreu num contexto marcado por fraca organização de base, ausência de plenários massivos nos locais de trabalho e uma preparação muito limitada ao nível da mobilização ativa.
Perante o anúncio da greve, o governo tentou intervir politicamente para desmobilizar e fragmentar. Fê-lo através de manobras de última hora, como a promessa vaga de um salário mínimo de 1600 euros num horizonte indefinido, ou ao afirmar que a anunciada reforma laboral não teria efeitos no setor público, uma tentativa óbvia de retirar da luta um dos batalhões mais numerosos e combativos da classe trabalhadora. Estas operações não visavam responder às reivindicações, mas reduzir o alcance político da greve e enfraquecer a sua legitimidade social.
É neste quadro – entre a disputa de narrativas, o impacto objetivo da paralisação e as manobras do governo – que se impõe um balanço político sério da Greve Geral. Não para ajustar contas estatísticas, mas para compreender o que esta luta revelou sobre a correlação de forças, os limites existentes e, sobretudo, os desafios colocados à continuação da luta.
A Greve Geral fez-se sentir – no público e no privado
Ao contrário do que o governo tentou impor na narrativa pública, a Greve Geral esteve longe de ser “inexpressiva”. Apesar das declarações que procuraram reduzir a paralisação a uma ação residual, falando de uma “minoria” isolada face a um país supostamente a trabalhar normalmente, a realidade do dia 11 de dezembro foi bem diferente: serviços interrompidos, setores paralisados e prejuízos económicos relevantes mostram que a greve teve expressão social concreta e um alcance que não pode ser ignorado.
Como seria de esperar, o impacto foi particularmente visível no setor público, onde o peso da organização sindical é maior e o medo de represálias por parte dos superiores é, em geral, menor. Comboios suprimidos, centenas de voos cancelados, hospitais a funcionar em serviços mínimos e escolas encerradas de norte a sul do país tornaram evidente que uma parte significativa dos trabalhadores respondeu ao apelo à greve. Estes dados, por si só, desmontam a tentativa do governo de apresentar o dia como uma normalidade sem sobressaltos.
Mas o elemento politicamente mais relevante desta Greve Geral foi o grau de adesão no setor privado, superior ao que é habitual em mobilizações deste tipo. Num contexto marcado por precariedade, fragmentação e forte pressão dos patrões, muitos trabalhadores decidiram parar. A explicação não é difícil de encontrar: o pacote de alterações à legislação laboral, apresentado como uma reforma “técnica”, é cada vez mais percebido como aquilo que realmente é – um ataque direto aos direitos, salários e condições de trabalho, com impactos particularmente duros para quem trabalha no setor privado.
Essa perceção traduziu-se numa adesão significativa não apenas nos setores mais organizados da indústria, mas também em áreas marcadas pela precariedade e pela rotatividade, como os call centers ou a distribuição. O facto de a greve se ter feito sentir nesses setores revela um descontentamento acumulado, muitas vezes ligado a problemas muito concretos vividos nos locais de trabalho: horários desregulados, salários baixos, vínculos instáveis, assédio laboral e ritmos de trabalho insustentáveis.
De acordo com o indicador diário de atividade económica do Banco de Portugal, a atividade económica em Portugal recuou 8% no dia da Greve Geral, tornando o dia 11 de dezembro o segundo maior recuo económico de todo o ano. Apenas o dia do apagão registou um impacto superior, com uma quebra de 14,7%. Estes números desmontam diretamente as declarações do ministro Leitão Amaro, ao classificar a paralisação como “inexpressiva”. A economia não parou por acaso: parou porque milhares de trabalhadores fizeram greve.
Estes dados são centrais para qualquer balanço sério da Greve Geral. Mesmo com uma preparação limitada, sem uma forte dinâmica de organização de base e sob intensa pressão política do governo para desmobilizar, a greve conseguiu expressar uma reserva de luta real entre os trabalhadores. Uma reserva que não desaparece no dia seguinte à paralisação e que demonstra, na base do movimento sindical, a capacidade de dar continuidade à luta contra a ofensiva do governo.
Os truques do Governo e da Direita para desarmar a luta
Após essa primeira reação marcada pela tentativa de minimizar o impacto da Greve Geral, o governo rapidamente ajustou o discurso. À negação seguiu-se a abertura controlada à “negociação”, apontando desde logo a UGT como interlocutora privilegiada. Esta viragem não é sinal de recuo político, mas parte integrante da estratégia do executivo para fazer passar a reforma laboral, neutralizando a contestação social.
Como tem sido sublinhado por vários comentadores – incluindo Marques Mendes, no contexto da sua candidatura presidencial – a UGT funciona historicamente como o principal parceiro do governo na concertação social, apesar de se apresentar como representante dos interesses dos trabalhadores. Controlada por quadros ligados ao PS e ao PSD, a UGT cumpre um papel central na legitimação de acordos que permitem atacar direitos laborais, ao mesmo tempo que ajudam a desmobilizar a luta.
Desde o início, governo e patrões sabem que uma reforma laboral desta dimensão não passa intacta. O cálculo é simples: apresentar um pacote profundo e abrangente, admitir que algumas medidas terão de cair, e garantir que o essencial – a desregulação do trabalho, o enfraquecimento da contratação coletiva e o aumento da precariedade – avança. Não por acaso, numa fase inicial, as críticas concentraram-se quase exclusivamente nas alterações aos direitos de parentalidade, preparando o terreno para uma eventual cedência cirúrgica que permita salvar o resto do pacote.
Neste momento, o governo está a avaliar exatamente quanto precisa de ceder para que a UGT possa assinar um acordo e cumprir a sua função política: apresentar o resultado como um “equilíbrio possível” e ajudar a travar a continuação da luta. A inclusão de algumas medidas pontuais que podem ser apresentadas como favoráveis aos trabalhadores, no meio de um oceano de ataques, insere-se na mesma lógica de legitimação e confusão.
À direita do governo, o papel é complementar. André Ventura e Cotrim de Figueiredo repetem que o pacote também tem aspetos “positivos”, ajudando à lógica de que este não deve ser rejeitado no seu conjunto e que bastará limar algumas arestas para que possa passar. Esta narrativa não é acidental: serve para deslocar o debate para uma discussão técnica, fragmentando a oposição e criando condições para que a reforma avance com pequenos ajustes.
Mas é precisamente aqui que está o ponto central. Este pacote laboral não é para corrigir, nem para negociar parcialmente. É um ataque global aos direitos da classe trabalhadora e, como tal, deve ser derrotado no seu conjunto. A postura do governo, da direita parlamentar e dos seus aliados na concertação social confirma que a ofensiva continua e que só a continuidade da luta pode travá-la.
É preciso continuar a lutar para derrotar o pacote laboral
A Greve Geral mostra que existe disposição para lutar, inclusive em setores do privado onde a mobilização costuma ser mais difícil. Ao mesmo tempo, ficou igualmente evidente que o governo e a direita não recuaram na sua ofensiva: estão apenas a tentar reorganizar a forma de a fazer passar, combinando negociações controladas, cedências cirúrgicas e manobras de desmobilização. Deste cruzamento de fatores resulta uma conclusão inevitável: é preciso continuar a lutar e começar desde já a preparar a próxima jornada.
Essa continuidade não pode assentar na repetição mecânica de formas de luta esvaziadas. Exige, antes de mais, um esforço consciente para melhorar a organização pela base. Sessões de esclarecimento nos locais de trabalho, plenários democráticos que envolvam os trabalhadores na discussão do pacote laboral e das formas de resposta, coordenação entre setores e empresas: tudo isto é indispensável para transformar o descontentamento existente numa força organizada, capaz de enfrentar o governo e os patrões.
É neste quadro que se impõe uma crítica à convocatória da CGTP para uma manifestação no dia 13 de janeiro. O problema não está na ideia de dar continuidade à luta – essa é não só correta como necessária -, mas na forma escolhida. Convocar uma manifestação para uma terça-feira, às duas da tarde, sem greve associada, é garantir à partida um protesto reduzido, com meia dúzia de dirigentes sindicais e pouca ou nenhuma participação real dos trabalhadores. Este tipo de iniciativas não reforça a luta; pelo contrário, empurra-a para um beco sem saída, transmitindo uma imagem de isolamento e desgaste num momento em que é preciso ganhar confiança e alargar a mobilização.
Não é necessário esperar pela reunião entre o governo e a UGT, marcada para 7 de janeiro, para perceber o que está em jogo. Independentemente do desfecho dessas negociações, o objetivo do executivo mantém-se: fazer passar o essencial do pacote laboral. A resposta da classe trabalhadora não pode ficar refém desse calendário nem das manobras da concertação social.O desafio colocado é outro: preparar lutas à altura do ataque, com métodos que fortaleçam a participação, a unidade e a confiança dos trabalhadores. Só assim será possível travar a ofensiva em curso e avançar no sentido da derrota integral do pacote laboral. Os Trabalhadores Unidos afirmam o seu compromisso com este caminho para transformar a disposição para lutar numa força organizada, consciente e capaz de vencer. É nesse esforço coletivo que continuaremos empenhados. Junta-te a nós!


