Mais uma crise política, mais uma ida às urnas. Pela terceira vez em três anos, Portugal volta a eleições legislativas — e tudo indica que o resultado será o mesmo de sempre: uma nova versão do mesmo desastre. Seja com Montenegro ou Pedro Nuno Santos, com o apoio da direita radical ou da esquerda institucional, a política do regime é sempre a mesma: beneficiar os milionários à custa da maioria.
A queda do governo da AD não foi inevitável. Foi uma jogada calculada, numa tentativa de evitar o desgaste prolongado e capitalizar alguma margem política antes que o cenário se tornasse ainda mais desfavorável. Tal como o PS fez em 2022, também agora o PSD prefere atirar o país para eleições do que enfrentar o apodrecimento lento de um governo incapaz de responder às necessidades da população. E assim continua o ciclo viciado da alternância entre PS e PSD, cada vez mais exposto, cada vez mais podre, cada vez mais inútil para quem vive do seu trabalho.
De facto, desde 2019, nenhum governo conseguiu completar a legislatura. Tivemos eleições antecipadas em 2022, novamente em 2024 e, agora, em 2025. Este ciclo constante de dissoluções é um reflexo do esgotamento de um sistema que já não consegue gerar consensos duradouros, nem assegurar a tal “estabilidade” que os partidos do regime tanto apregoam. A dificuldade em formar maiorias sólidas, o fracasso das coligações, e a permanente instabilidade parlamentar revelam um regime em declínio — onde a crise social e económica alimenta a desagregação política.
O governo de António Costa, apesar da maioria absoluta alcançada em 2022, caiu após oito anos de gestão marcada pelo aumento do preço da habitação e caos no SNS — desgastado por greves em setores essenciais, como a saúde e a educação. A sua queda foi precipitada por um escândalo de corrupção, mas o verdadeiro problema era o acumular de descontentamento popular, face a um governo que já não representava ninguém a não ser os interesses de cima.
Já no caso de Montenegro, a situação foi distinta. Apesar do caráter frágil do seu governo minoritário, e de se anteciparem desde o início dificuldades para que conseguisse cumprir a legislatura até ao fim, a verdade é que depois de ultrapassar o primeiro grande teste — a aprovação do Orçamento de Estado para 2025 — começava a desenhar-se um cenário de relativa estabilização. O governo mostrava alguma capacidade de resistência, havia até uma ligeira recuperação da sua popularidade e, em termos políticos, parecia possível que pudesse aguentar-se pelo menos até à votação do Orçamento de Estado para 2027. Por isso, a sua queda foi, para muitos, inesperada.
Mas ao contrário de uma crise inevitável ou imposta pelas circunstâncias, a queda do governo da AD foi, na verdade, deliberada. Montenegro preferiu provocar eleições antecipadas agora, enquanto ainda mantém algum fôlego político, do que arrastar-se até ser consumido por uma comissão parlamentar de inquérito e por novos casos e polémicas. Também do lado do PS, apesar de partilhar com o PSD o compromisso de garantir a estabilidade necessária ao desenvolvimento dos negócios dos patrões — assegurando que as reformas laborais, os baixos salários, a contenção social e a exploração prossigam sem sobressaltos —, torna-se insustentável afirmar-se como alternativa continuando a servir de bengala à AD.
Se a alternância entre PS e PSD continua a ser um dos principais mecanismos de legitimação do regime, essa ilusão de diferença entre ambos torna-se cada vez mais difícil de sustentar quando um partido passa o tempo a viabilizar o governo do outro. Neste contexto, a convocação de eleições não é apenas o reflexo de uma crise conjuntural, mas o resultado de um sistema político cada vez mais incapaz de assegurar a sua própria estabilidade. Perante este cenário, as eleições de maio não vão resolver nada.
O PSD, encabeçado por Luís Montenegro, tem rejeitado qualquer entendimento com o Chega, mantendo o discurso da “linha vermelha” contra a extrema-direita. No entanto, a pressão para formar maioria poderá colocar essa linha à prova — sobretudo se André Ventura continuar a condicionar o debate público e se apresentar como “inevitável” para uma solução à direita.
O Chega, por sua vez, joga num duplo registo: diz que PS e PSD são iguais, ao mesmo tempo que suplica ao PSD por um lugar no governo. Já a Iniciativa Liberal tenta colocar-se como possível parceiro estável e racional do PSD. O voto a favor da moção de confiança ao atual governo mostra uma tentativa clara de apresentar-se como força “governável”, capaz de contribuir para uma coligação de direita.
Do lado do PS, Pedro Nuno Santos tem pressionado ao voto útil para evitar um governo da AD, ao mesmo tempo que mantém a possibilidade de “diálogo com todas as forças progressistas”, o que inclui BE, PCP e Livre. A esquerda parlamentar, por seu lado, compete pelo papel de muleta mais relevante para pressionar o PS a ser o que não é nem nunca será. Como vem sendo habitual, BE e o PCP mantêm o discurso de que não viabilizarão governos liberais ou de direita, mas não descartam entendimentos com o PS, e o Livre, mais direto, surge como o parceiro mais disponível para um acordo pós-eleitoral.
No meio da fragmentação, o mais provável é que o próximo governo dependa de acordos parlamentares e coligações instáveis, com chantagens constantes ao PSD por parte da extrema-direita ou concessões imperdoáveis ao PS por parte da esquerda. Por isso, nenhuma destas soluções que procuram dar maior estabilidade a um governo do PSD ou do PS representa uma alternativa real para os trabalhadores e a juventude. Para a maioria da população — trabalhadores, jovens, reformados, imigrantes —, qualquer um destes governos significa mais do mesmo: salários baixos, rendas altíssimas, precariedade, degradação dos serviços públicos e repressão crescente.
As eleições antecipadas não são sinal de vitalidade democrática. São o reflexo de um regime esgotado, que já não consegue esconder o seu próprio fracasso. A instabilidade permanente, a crise social crescente e o desespero generalizado mostram que o regime saído do 25 de Novembro está em decomposição — comprometido com os interesses económicos, é incapaz de oferecer uma saída para a juventude, para os trabalhadores, para quem está a ser empurrado para fora das cidades ou para fora do país.
Enquanto isso, a extrema-direita cresce, explorando a frustração gerada por décadas de traições. Mas, longe de representar uma solução, o Chega e a Iniciativa Liberal querem aplicar versões ainda mais violentas do mesmo programa de sempre: mais exploração, menos direitos, mais repressão. E a esquerda institucional, incapaz de romper com este regime e de defender um programa radical contra os governos dos patrões, continua à espera de lhe ser concedido o papel de força de apoio do PS — mesmo depois de tudo o que este fez ao SNS, à habitação, aos direitos laborais e à juventude.
O que falta não é mais um partido que viva de e para o Parlamento. O que falta é uma alternativa real, construída a partir das lutas, com os pés na rua e um projeto político que enfrente de frente os interesses das elites, surgida não para “remendar” o regime, mas para enfrentá-lo. Uma alternativa que não aceite continuar a dançar ao som do mesmo disco riscado da alternância entre PS e PSD, nem que a extrema-direita seja o canal da revolta social. E que assuma, de forma clara, que o problema não é apenas quem governa — mas o sistema ao serviço de quem governa.
É preciso construir uma alternativa que aponte para um novo projeto de país, com a classe trabalhadora no centro. O Trabalhadores Unidos é uma ferramenta dessa construção – um novo partido, feito para lutar, organizar e vencer. Porque não basta resistir. E este editorial é um convite: não fiques a ouvir o mesmo disco de sempre. Junta-te a quem está a preparar uma nova música. Uma que fale de justiça, igualdade e revolução.